Não Fiat Lux

“Não Fiat Lux”

não se assuste
com esse poema
escrito demais

o que fazer com a palavra?

eu quero destruir a palavra
tirar da carne o horror
da boca o socorro
da vista o fascismo
soltar a gramática do mato
a gramatura do orvalho
a pauta do rio
a pausa

do silêncio

adormecer a palavra
que brota nos dentes quando nas telas as notícias as estatísticas as valas
quero matar a palavra
que morde o lábio
afoga o olho
maldita o outro

neste país de desgraças
eu quero expurgar
as palavras
e com o rabisco o bruto risco o nó na garganta o só no instante

acendo uma vela pra que a luz não me dedique a conta dessa era
pra que o fogo
me leve
pra onde a palavra
se entreva
e no começo era o

tempo em que não havia o momento de bater o ponto o soco o murro o dente o sopro ventre mente morro socorro

eu quero assassinar esse verbo
pra não aprender a matar
mentir
acusar deturpar pecar cair derrubar maltratar maldizer molestar ofender desesperar
desmatar

eu quero decorar o som de uma imagem sem dor
como se fosse um poema sem nenhuma mesquinha palavra

em que diga
dignidade a todos nós

solidariedade a todos nós

respeito
no peito
o seu abraço e o direito
de tomar sol nos pés

terra nas mãos água nos rios viço no olho sorriso outro abraço

e com a gentileza de uma palavra sem borracha
comunicar
outro tipo de humanidade

(Dheyne de Souza, fevereiro de 2021)

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