Um Brasil Ainda em Chamas

ANTOLOGIA DE POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (em Portugal)

Organização e notas de Wilson Alves-Bezerra & Jefferson Dias

Portugal: Editora Contracapa, 2022

Para baixar a antologia: AQUI

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Tenho a honra de participar dessa antologia, com escritoras e escritores de tirar o fôlego, com o meu poema “80 tiros”.

A antologia não está sendo comercializada no Brasil, mas o download é gratuito e também disponibilizada por um dos organizadores: Jefferson Dias, AQUI.

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desaviso

quase não ando andando por aqui

não sei também se alguém aqui ainda anda

de modo que aqui vim pra convidar pedir exortar suplicar

ou qualquer outro tipo típico da capitalização de tudo

nestes tempos

em suma

ando lendo divulgando efervescendo explodindo quiçá por dentro

utopias

sei lá

as redes de cá: @dheynedesouza

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às vezes

resenha de Caio Augusto Leite sobre “lâminas”

Resenha cheia de afeto e poesia do Caio Augusto Leite para a revista “Ruído Manifesto” sobre o “lâminas” (martelo casa editorial, 2020). Ele tem a coluna mensal “As armas secretas”.

Trecho:

Lâmina na retina

A poesia, quando atravessa a língua, transforma a palavra em lâminas. Assim é a poesia de Dheyne de Souza em seu Lâminas (2020, Martelo). Quando lemos seus versos, sentimos que as palavras ali estão afiadas e, se tocamos desprevenidos sua forma, nos cortamos um pouco. E é preciso que nos cortemos. Diferentemente da linguagem do cotidiano, referencial e objetiva, a linguagem neste livro está – em diversos momentos – interessada em dar a ver os mecanismos que compõem a linguagem poética. Dessa maneira, tal poesia não busca contar uma história, ou transmitir uma mensagem de modo convencional, mas aposta na criação das imagens para provocar sentidos, por isso lâminas no plural, pois poemas assim não podem se abrigar na univocidade do sentido. São significados e sentimentos vários os que se produzem quando lemos versos como:

coração nublado

abre as cortinas

essas veias

tempestam

A partir da concisão de elementos e da justaposição de adjetivos incomuns, os versos acima abrem na língua caminhos que podem ser percorridos a fim de se chegar a interpretações, mesmo que nenhuma delas seja a correta ou a definitiva. O jogo poético é o da aproximação com essas pontas afiadas, abrindo as pétalas dessas flores de metal. Se num primeiro momento há o incômodo de não estar em contato com palavras que digam imediatamente o que transmitem, a persistência do olhar sobre tais versos faz com que o estranhamento possa aos poucos se desfazer, não de todo, mas o suficiente para que reconheçamos linhas e contornos que formam desenhos reconhecíveis. O trecho do poema a seguir tematiza muito bem esse gesto da poeta:

tem um lado do lago que esconde a língua

das margens que nomeiam as entranhas,

foz em que dormem os pequenos medos,

com suas nadadeiras arredias

[…]

Percebemos nos versos acima que a palavra é posta como algo que não se dá a ver de imediato. Há signos que corroboram tal ocultamento, como “esconde” e “entranhas”; assim, o próprio poema assume sua não referencialidade, sua não objetividade. Na imagem do lago, é no que está no interior dele (na foz) que a poesia está empenhada em atingir. O poema pede, portanto, que o olhar do leitor não se restrinja à superfície imediata das palavras, mas que a partir da sugestão imagética reconheça outras mensagens entranhadas em termos que num primeiro momento remetem a uma materialidade apenas física, como em “língua”, “lago”, “entranhas” “nadadeiras”.

Tal ambiguidade se torna mais perceptível no poema “boletim”, como nota-se nos versos:

na aridez dos dias

dorme

sob lençóis úmidos

um olho trêmulo

outro lúcido

o poema

[…]

A resenha completa está aqui: Lâmina na retina – Por Caio Augusto Leite

das regras

[…] mas o que o mundo não espera, nunca esperou, fálico que sempre foi, coitado, é que a força hercúlea é construída não com uma regra mensal, mas com séculos e milhares. nesse quesito, e disso também todos sabemos embora bem poucos vejam e menos ainda o digam, surgimos guerreiras, guerreadas e guerrilhas. não viemos em paz que a paz nunca respeitou nossas regras. não viemos tampouco em guerra que de balas de facas de falas morremos todos os dias. viemos com as mãos calejadas de fluxos. com os pés sobrevividos do fogo. com os ventres carregados de sangue. com as vozes equipadas de som. que já está passando da hora de deixar de medir o mundo pelo falo. tamanho nunca foi o principal instrumento do gozo. que já está passando da hora de abandonar a velha versão das colchas. que sabemos de penélopes muito mais que o dia e a noite. que já passa da hora do almoço e estamos com fome, já passa da hora do sono e estamos acordadas, já passa da hora do grito e estamos com o não. que venham o próximo mês, a próxima era, as próximas.

(Dheyne de Souza)

Trecho de um capítulo inédito do meu romance em andamento. O capítulo completo foi publicado na revista Opiniães.

depoimento de Jamesson Buarque sobre Dheyne de “pequenos mundos caóticos” a “lâminas”

e esse depoimento cheio de generosidade e carinho do Jamesson Buarque (para o Conversa com Escritor com Marcelo Batalha para a Biblioteca Erem Dom Vital, Recife) ❤
sinto que James e eu compartilhamos, além dessa alma migrante e inquieta, uma curiosidade avassaladora e às vezes obsessiva. poesia derrama demais. uma pessoa que não se curva à hierarquia. é pela anarquia. é alguém com quem aprendi em salas de aula, em microfones, em bares, em eventos literários, bêbados, sérios, risados, em revistas tresloucadas como a Ruído Branco, de conversas que iam da Grécia Antiga à quantidade de pernas dos aracnídeos ao divertimento de contar sílabas poéticas. de modo que faz muito tempo que ele é uma pessoa muito importante para mim. dentre várias e variadas publicações e produções, jogou no mundo o maravilhoso livro “meditações” (pela Martelo Casa Editorial) e recém-lançou, junto com a minha heroína Thaise Monteiro, “À moda de 22” (pela Editora Patuá). James, muito obrigada por tudos ❤❤❤

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depoimento de Pilar Bu sobre “lâminas” e Dheyne

também quero deixar registrada minha gratidão imensa por esse carinho enooooorme da Pilar Bu nesse depoimento para o Conversa com Escritor (projeto do querido Marcelo Batalha e da Biblioteca Erem Dom Vital, Recife). falar, pensar na Pilar vem com uma memória de muito laço afetuoso nascido no coração quente goiano e que vem sendo fortalecido a cada vez que nos encontramos, seja por mensagem cibernética ou intuitiva, seja pela poesia, seja pela simples consciência de que, não importa onde estejamos, estamos juntas. esse sentimento de irmandade que exala da Pilar embriaga a gente de uma paixão desenfreada, alimenta a alma e faz acreditar que, sim, é possível. mulher com os dois pés na prática, me ensina muito muito muito a estar mulher com queixo alto e levantar. indico dela o “Bruxisma” (pela Editora Patuá), livro que já diz a que veio pelo título. amor eterno, minha amiga. muito obrigada. ❤❤❤

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depoimento de Suene Honorato sobre “lâminas” e Dheyne

licença, momento ostentação, quero compartilhar esse depoimento para o Conversa com Escritor (com o querido Marcelo Batalha para a Biblioteca Erem Dom Vital, Recife).
é uma coisa tão linda o carinho da Suene, uma mulher de garra e exemplo de coragem com luta, uma professora incrível e antidoutrinadora, uma pesquisadora competente e ética e uma amiga que eu agradeço todos os dias por conhecer, por conversar comigo em qualquer momento e com áudios oceânicos, por existir e por escrever, porque ainda por cima ela acabou de lançar o livro (pela Editora Patuá, por favor confiram se não é um urro) pelo qual estou obcecada desde o ano passado: “N’oré îukaî xûéne!” (do tupi antigo, “Não nos matarão!”). obrigada é muito curto ❤❤❤

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“lâminas” com resenhas

E eis que, um ano depois de ter vindo ao mundo, meu livro de poemas “lâminas” (martelo casa editorial, 2020) acabou de ganhar uma terceira resenha, do querido Salomão Sousa, que disse “A poesia de Dheyne de Souza não deixa que o olhar envelheça”, publicada no canal russo de opinião Pravda.ru, edição em português.

Fico muito grata, assim como ao grande amigo Wilton Cardoso, o Engenheiro Onírico, que falou “‘lâminas’, a poesia imprescindível de Dheyne de Souza”, e ao lindo do Rafael Mussolini, que também fez uma resenha do “lâminas”.

Quero agradecer a cada um que escreveu sobre, leu ou quer ler esses poemas e essa poeta aqui, ou outra, em tempos como estes, neste país como está, que a poesia nos resista!

Dheyne de Souza

“lâminas” tá disponível aquis:

martelo casa editorial

Martins Fontes

Amazon

Não Fiat Lux

“Não Fiat Lux”

não se assuste
com esse poema
escrito demais

o que fazer com a palavra?

eu quero destruir a palavra
tirar da carne o horror
da boca o socorro
da vista o fascismo
soltar a gramática do mato
a gramatura do orvalho
a pauta do rio
a pausa

do silêncio

adormecer a palavra
que brota nos dentes quando nas telas as notícias as estatísticas as valas
quero matar a palavra
que morde o lábio
afoga o olho
maldita o outro

neste país de desgraças
eu quero expurgar
as palavras
e com o rabisco o bruto risco o nó na garganta o só no instante

acendo uma vela pra que a luz não me dedique a conta dessa era
pra que o fogo
me leve
pra onde a palavra
se entreva
e no começo era o

tempo em que não havia o momento de bater o ponto o soco o murro o dente o sopro ventre mente morro socorro

eu quero assassinar esse verbo
pra não aprender a matar
mentir
acusar deturpar pecar cair derrubar maltratar maldizer molestar ofender desesperar
desmatar

eu quero decorar o som de uma imagem sem dor
como se fosse um poema sem nenhuma mesquinha palavra

em que diga
dignidade a todos nós

solidariedade a todos nós

respeito
no peito
o seu abraço e o direito
de tomar sol nos pés

terra nas mãos água nos rios viço no olho sorriso outro abraço

e com a gentileza de uma palavra sem borracha
comunicar
outro tipo de humanidade

(Dheyne de Souza, fevereiro de 2021)